" Morreu
de pé ! "
Um
“post-requiem” por aquela velha e vetusta Carvalha, do “Campo
das Carvalhas”!...
Passados
estavam bem mais de 200 anos depois de uma pequena Bolota, meia
enterrada, ter dado em pequena raiz…em tronco frágil…em folhinha
verde…pela força da Natureza.
Naquela
noite, de 15 para 16 de Outubro de 2017, veio do lado Sul outra força
da Natureza, a enroscar-se-lhe no velho tronco carcomido e oco,
varado que estava já por tantos e tantos ciclos da Natureza. Em que
ela, árvore sempre generosa, também era cama e mesa para vermes e
fungos parasitas.
Via-se
e sentia-se que essa outra que bramava ventos e cuspia fogo era uma
força má, a atacar com lume bravo, por todos os lados e ao
mesmo tempo…
Sim,
o Fogo daquela noite atirou-se à velha Carvalha do Campo, a dançar
à roda! Acirrou-se por entre os poucos “nervos” dela e que
subiam, ainda vivos, desde o solo… Infiltrou-se pelas raízes
superficiais ainda vivas… Avançou o Fogo… Roeu e roeu por quase
tudo o que ainda separava a velha Carvalha da sua morte anunciada.
Sim,
todos o sabemos de ciência feita. Ela, a velha Carvalha, já fora
nova…verde escuro…prolífera em ramos e
ramagens, com as Bolotas em pendentes. Então, espaços fora, lançara
grossas pernadas e mil e um ramos “cobertos de folhagem, na
verdura”.
Subiu
e alargou-se bastante. Transformou-se na mais alta, mais larga, mais
frondosa e mais bonita Carvalha daquele Bosquete junto ao denominado
“Campo das Carvalhas”. Ela cobria aqueles espaços próximos com
sombras…e folhas secas…e bolotas… Era uma espontânea catedral
da Natureza ! E para nós também era uma Carvalha de culto!
Atingiu
e desenvolveu, sempre, profusas evidências de sua linhagem enquanto
uma “Quercus Robur” - do género “fémea” que outras
destas árvores assim designadas são do género “macho” –
Carvalho - diferença que o saber popular sabe distinguir pela côr e
recorte das folhas e pelo tamanho da Bolota de cada uma destas (sub)
espécies. Mas também se assumiu, toda ela, na ainda mais genuína
linhagem, esta Celta, do “QuerKuez” ou “árvore nobre”.
Durante
para aí os últimos 80 anos, entre curiosa ou alheada, ela observou
tantos daqueles jogos estranhos em que homens, rapazes, algumas vezes
até mulheres e raparigas, e crianças, andam
equipados a rigor ou não, a correr uns atrás dos outros, aos
pontapés a bolas e a suar. Enquanto isso, berram e até dizem
palavrões no que são seguidos por quem está de fora “só” a
ver… Com frequência, ouve-se o apitar estridente de um outro
homem, normalmente equipado ou vestido de forma distinta dos
jogadores e que parece ser quem mais manda naquele jogo embora não
dê pontapés nas bolas. Apenas corre, sua e apita e, não raro, é
insultado pelos outros…
E
muda e queda, por vezes apenas um pouco agitada pelo vento matreiro,
a velha Carvalha do Campo assistiu aos bailaricos festivos de tardes
e noites quentes em que os namorados (e os amantes) diziam “coisas”
proibidas aos ouvidos, uns e outras, enquanto faziam de conta que
dançavam…
E,
sem tão pouco salivar seivas, abrigou tantos e tantos convívios de
todos os tipos mas com especial destaque para as “comezainas”
festivas…
Sim,
a velha e vetusta Carvalha foi testemunha, serena e natural, de tudo
isso e não contou nada a ninguém, podemos ficar todos nós
descansados… Apenas julgamos que pensava em nós enquanto se nos
dava em carinho e esplendor. Sim, com toda a paciência do mundo,
era ela que fazia dela própria a nossa árvore preferida !
Acolhia-nos e protegia-nos, ao jeito de “mater in perpetuum” (mãe
para sempre), debaixo dos seus braços multiplicados.
Sim.
Por debaixo dela, da sua frondosa e natural armação – em tons de
verde e castanho – nós passámos episódios das nossas vidas,
porventura dos mais agradáveis, sobretudo no Verão. Por isso
mesmo, sempre a conhecemos e sempre gostámos, muito, da velha mas
também frondosa e fresca Carvalha que já assim era quando nós, por
ali, fomos meninos.
Adequando
embora o seu alcance, registo aqui o dito que me ocorre por
analogia:- ela era a Carvalha “da minha vida”… E, tal como eu,
outros haverá capazes de idêntica confissão, a sugerir mesmo uma
quase sensualidade… Sim, ela era a Carvalha “das nossas vidas”
! E fico triste. Estamos tristes.
Ah
! Bem-dita seja, aquela velha e vetusta Carvalha, do “Campo das
Carvalhas” da UDV, União Desportiva e Tuna Vilafranquense, de
Vila Franca da Beira!
Depois
daquela noite, quando chegou ao chão já estava morta… “Morreu
de pé !”.
Porém,
agora já não é nada do que foi, “já não serve”… Mas ainda
não acabou !
Naquela
noite de quase todos os Fogos e medos, a velha Carvalha entrou no
início do seu fim-final… Ressoava alto mas surdamente
–“chchzzuuumm…” – assim como se fosse num choro de suas
folhagens agitadas pelo vento agora doido. Também receosa das
línguas de fogo que já trepavam…pelo tronco carcomido e oco…pela
casca seca e rugosa…pelos musgos agarrados... Chamas vivas que a
ela lhe mordiam nas raízes, lambiam feridas antigas e lhe
consumiam entranhas quase mortas.
Tremeu,
contorceu-se…resistiu como pôde. Ainda aguentou aquele fogo
desvairado que a consumia desde a sua base já antes desgastada.
Ainda aguentou aquelas rajadas de vento doido e cheio de fumos Mas
estava muito fragilizada e indefesa, a velha mas ainda
frondosa Carvalha !
Por
fim, o Sol conseguiu fazer surgir “o dia seguinte” àquela noite.
Rasgou trevas a custo e apagou a luz suja das chamas que perduraram.
E a manhã cinzenta-negra do “dia seguinte” entrou na tarde,
sempre com aquela noite pintada a fogo, por fora e por dentro de nós.
A
velha Carvalha estremeceu uma e outra vezes. Oscilou,
desequilibrou-se… Súbito, estalou em gritos de fibras que se
rasgavam:- “Cráás !!!”. Afinal, o rasgar sonoro das últimas
fibras que lhe levavam vida por ela acima. E assim foi caindo,
rapidamente, até cair de vez:- “tchumm!”.
Eram
quase duas “de la tarde“ (16 Outubro), quando tombou sobre seus
ramos que se partiram aos bocados e que partiram o telheiro do
Bar da Cozinha do Campo de Futebol e Festejos da UDV.
Na
sua queda consumada, podemos imaginar, a velha Carvalha arrastou
dentro de si um ninho de noctívagos Mochos-Galegos. Um ninho, fofo
e ainda quente, feito num dos buracos de seus troncos, lá no alto.
Naquela noite trágica, as aves residentes ainda tentaram sair e
voar, chamas adentro. Mas morreram incineradas sem acabar o último
grito que soltaram:- “Uliuu! …Uli…”. Dá para evocar:- “É
o pio do mocho (ou da coruja), sentinela fatal que augura a
mais sinistra noite”…
Depois,
então, quase às duas “de la tarde”, desmoronou-se ingloriamente
aquela nossa catedral !
Quando
chegou ao chão, a velha Carvalha já estava morta! Caiu, pesada,
sobre o cimento duro que assim lhe serviu como lápide de uma espécie
de campa posta ao contrário, posta por baixo do corpo e não por
cima. Mas como força da Natureza que sempre foi, também assim quis
deixar de ser. “Morreu de pé !”.
“Serás
eterna…a não morrer”… de novo e de vez !
E
teu corpo pesado e morto vai ainda ser retraçado aos bocados. Vai
aquecer lareiras, estômagos, e corações também. Sim, à
lareira escura “seu estro vai parar desfeito em vento” (ou
em fumo)…
Mas,
de mansinho, agarrando-se como podem à terra-mãe, “mordendo” a
cama fofa, “bebendo” orvalho, já agora espreitam,
atrevidos, os rebentos verdes das Bolotas que caíram de seus ramos
então verdes e ainda ao alto.
Naquele
chão (por fora do cimento), ali, por trás do “Campo das
Carvalhas” da UDV, afinal ainda não acabou, a velha e vetusta
Carvalha !
E
assim serás Rainha e eterna como força da Natureza prenhe de
esperança renovadora !
“Per
omnia secula seculorum!”… (“por todos os séculos dos
séculos”…mas sem “amém”…).
E
viverás, muito Tu, na nossa memória como a mais bela – “e tudo
!” - daquele Bosquete !
Viva
a velha e vetusta Carvalha do “Campo das Carvalhas” da UDV !
Viva
a Rainha das Carvalhas !
No
já esperançoso Novembro de 2017
João Dinis, Jano
Fotos de Sílvia Ramos