14 de novembro de 2007

“ ENTERRO DO S. MARTINHO ” – em VILA FRANCA DA BEIRA

11 NOVEMBRO – 2007

A “função” preparou-se desde há vários dias antes da data tradicional, o dia 11 de Novembro, para todos os efeitos o “Dia de S. Martinho” – incluindo para o respectivo “Enterro”, em Vila Franca da Beira...

Enfim, embora de forma muito expedita, já antes se tinha preparado:- o “cadáver” do S. Martinho – um boneco de palha mas com fato e gravata; a padiola para transportar o boneco; a “Irmandade do S. Martinho”; os archotes (dos de jardim); a aparelhagem sonora; a vestimenta do “padre”, no caso o Carlos Lameiras, de alcunha o “Sacristão”; alguns “adereços”; fogo de artifício; um grande cartaz de divulgação da “cerimónia”.

De qualquer forma, trabalho preparatório de que mais se encarregaram o Amadeu Monteiro,“Jordão” e o Jorge Perereira, “Músico” (entre outros).

9 horas da noite. A iluminação apagou-se. Alguns Vilafranquenses aguardam...

Então, cerca das 21 horas, o estralejar de alguns foguetes avisou o Povo que se avizinhava a saída do “Enterro do S. Martinho”, como de habitual desde o Largo do Rossio.

Apaga-se por completo a iluminação pública, de propósito. Para assim condensar melhor o ambiente e aproximá-lo de outros tempos, nesta noite estrelada e quase fria, de 11 de Novembro, 2007, em Vila Franca da Beira.

De um pátio próximo, avança a “Irmandade de S. Martinho” em formação de duas alas, pelo limite da rua, segurando na mão os archotes já acesos. Cobrem-se, os “Irmãos” e as “Irmãs”, com um pano branco, buraco a meio para enfiar pela cabeça, imitando o estilo das “opas” das irmandades normais. À frente e a meio das duas alas da “Irmandade”, vai um “Irmão” segurando, ao alto, um “rodo” daqueles que serviam e ainda servem para tirar as brasas de dentro dos mais tradicionais fornos ( a lenha ) de cozer pão. No escuro da noite, sobressai bastante esta “Irmandade do S. Martinho”. É uma das inovações dentro desta tradição...

Através da aparelhagem sonora o Requiem de Mozart...

Logo atrás, vem a padiola, com o boneco de palha deitado, tamanho natural, simbolizando o cadáver do “S. Martinho”. No meio das pernas do boneco, vê-se, “claramente vista”, uma alta e empinada protuberância coberta por um ténue pano... O “padre” – no caso o Carlos “Sacristão” – trajado a preceito, de imediato engrola as suas “deixas” e “contra-deixas”. É vasto o seu reportório, desde o latinório - que memorizou quando era efectivamente o sacristão da Terra – à brejeirice e passando, bastas vezes aliás, pelo vernáculo puro e duro. Provoca risos e admiração este desempenho em catadupa e por vezes adornado com “muafas” de corpo ou esgares de rosto do Carlos “Sacristão”. Vem ajudado pelo Vitor “Bufo” e pelo Ernesto que nunca falham. Com alguma pena, verifica-se a ausência do António “Zangarilho” cuja avançada idade já o impede de folias.

Uma das várias paragens para "encomendas"...

Imediatamente a seguir, concentra-se o grupo das “Viúvas do S. Martinho”. De negro vestidas, ainda mais negras ficam a parecer no breu da noite. A espaços berram e “guincham”, a compasso. Exprimem assim a “dolorosa” perda do seu (delas) vigoroso e sobre-dotado amante, o “S. Martinho”, ali amortalhado e em cortejo supostamente fúnebre. Então, dá-se bem conta, os berros e guinchos das “Viúvas” agudizam-se e prolongam-se mais, de todas as vezes que escorrega o tal pano e escancara a protuberância colocada entre as pernas do boneco. Trata-se da genitália, erecta e firme, do suposto S. Martinho, afinal um enorme “falo”, daqueles bem conhecidos, em louça “das Caldas”...

Assinale-se que esta “inovação” introduzida (salvo seja...) nos últimos anos, também não fazia parte dos adereços tradicionais. Mas está a impor-se e parece que sem escandalizar especialmente... Aliás, motivou até uma cena exuberante, digamos assim, quando uma mulher desinibida e que assistia ao “Enterro”, resolveu fazer um “número” arrojado ao debruçar-se e ao tocar no “das Caldas” com evidentes “sugestões” eróticas... Poderemos então admitir (com pretensões antropológicas) que se trata de uma evolução para uma espécie de ritual da fertilidade (não, não vamos pretender o erotismo, o que seria mais complicado...).

E do Rossio se foi pelo Largo da Capela, pelo Cimo do Povo, pelo Largo do Cruzeiro, e daqui se desceu até ao Largo do Rossio, a fechar o “ó”.

Aí, no final, o muito Povo rodeia o poste onde é pendurado o boneco de palha, ao alto. O Carlos “Sacristão” esbraceja num derradeiro esforço, e “encomenda” de vez o “ S. Martinho”...

Já no "Rossio" - os preparativos finais...

Bota-se fogo ao boneco. Tremem de início mas engrossam e logo resfolegam as chamas, boneco acima e adentro. Entretanto, já “alguém” pôs a salvo a vistosa genitália do “S. Martinho”. Fica para a próxima...

As primeiras chamas do fogo da purificação...

O Povo mantém-se todo “condensado” à volta, olhos postos nas chamas. A garotada arregala-se e arreganha-se ainda mais que o habitual.

Desabam do poste os restos do boneco. Acabam as chamas terminais já no chão, na calçada do Largo do Rossio. Eis quando sobem e estralejam foguetes e silva frenética uma bateria pirotécnica daquelas de alumiar, “de lágrimas”, enquanto acelera para o alto e explode, lá em cima.

Lá muito, muito mais acima, o céu estrelado cintila. Não há nuvens, não há lua. As sombras das coisas, e as silhuetas das Gentes, mantêm-se à nossa frente e por todos os lados. Penetram em nós também e provocam sensações indefiníveis. Até se acender a Iluminação Pública e assim se marcar melhor o fim daquela “função” e o regresso à vida quotidiana dos mortais. O Povo está serenado. Amaciaram-se os deuses, os bons e os maus...

Os participantes mantêm-se até à ultima labareda...

E dali, às 22 horas e 30, vamos até à Sede da União, da UDV, onde vai ser servido o “Magusto”. Claro que com Castanhas assadas. E com Jeropiga (ou “jorpiga”) da caseira, macia – a “flanela” - como em alegoria lhe chamava o “Velhão”, este, porventura o conterrâneo mais “castiço” de que há memória em Vila Franca da Beira. E mais vinho “dão”, caseiros, a acompanhar.

Após o enterro, o magusto e o convívio.

Viva o solstício! Viva a comunhão entre as Gentes, as Tradições e a Natureza!

E até 11 de Novembro de 2008...

João Dinis, Jano

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